Origem da feijoada e sua História.
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Origem da feijoada e sua história: Você tem certeza que
ela nasceu nas senzalas?
Conheça um pouco dos
processos históricos que levaram ao que conhecemos hoje como culinária
brasileira.
Todos certamente já
ouviram a frase acima e outras afirmações sobre as comidas que fazem parte do
nosso cardápio.
Vivemos num país
miscigenado, resultado de culturas das mais diversas origens. Junte-se a isso
tantas variedades climáticas, ingredientes de diversidade invejável, história e
criatividade – assim nasce a culinária brasileira, com pratos
bastante típicos ou reelaborados, que conferem uma marca própria à nossa
cozinha.
O Prof. João Luiz
Máximo da Silva, historiador e professor de História da Alimentação em cursos
de Graduação e pós-graduação do Senac, esclarece a seguir vários aspectos sobre
essa nossa “história culinária”.
Qual
a “língua” que a culinária brasileira fala?
É em História da
Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo, tida até hoje como a obra
mais significativa, o estudo mais completo no que diz respeito às origens
e às particularidades de nossa culinária, que se lê que:
“a alimentação como característica do grupo humano, [é] muito mais
valiosa […] que a linguagem”.
No entanto, a culinária não deixa de ser, ela própria, uma forma de expressão,
uma linguagem, uma forma de as pessoas se comunicarem e interagirem. A
culinária traduz (ou deveria traduzir) a cultura alimentar de um povo,
sua forma de abastecimento, escolha de ingredientes, formas de preparo, como se
come, com quem se come, etc.
Se pensarmos como a gastronomia
brasileira se constituiu, vemos uma separação em termos de influências
históricas.
A princípio
indígena, depois somada à influência portuguesa, africana, e de um misto de
todas as ondas migratórias, nossa culinária passou por processos de elaboração,
a caminho do desenvolvimento de uma cultura gastronômica mais própria.
Por muito tempo a
França foi o grande norteador de nossa gastronomia. Nossas elites queriam ser
europeias e consideravam as referências indígenas como sinal de inferioridade e
pobreza (e consequentemente a comida de origem indígena também).
Nos últimos anos
temos assistido a uma maior valorização de nossos ingredientes nativos e
de nossos hábitos alimentares. Uma “língua” brasileira na forma de comer nos
acompanha (e se transforma) desde que nos constituímos como nação, até
chegarmos à gastronomia que conhecemos hoje, esta bastante recente.
A
base da culinária que hoje conhecemos
Poderíamos dizer que nossa
cultura culinária começou a se formar já no período colonial. Não
seria propriamente o resultado de uma aculturação, mas um processo de mistura,
de “contaminação”, que envolvia diferentes povos (e suas culturas alimentares),
diferentes ingredientes (autóctones e exóticos), etc.
Ingredientes como
feijão, farinha (de milho ou mandioca) já eram importantes desde os primeiros
séculos de colonização.
Outros ingredientes,
como o arroz, se tornaram mais importantes no século XIX. Os diferentes povos
que aqui estavam e outros tantos que vieram a partir desse período promoveram
constantes transformações em nossa culinária e na história da alimentação.
A
construção dos hábitos alimentares no Brasil
Nossos hábitos
alimentares têm por base a cultura indígena nativa, as influências de outras
culturas (africanas, portuguesas, imigrações a partir do século XIX, etc.), a
disponibilidade regional de um ou outro alimento. Às vezes uma ou outra coisa
prevalece.
A grosso modo,
pode-se dizer que os ingredientes locais (e as respectivas
técnicas indígenas) têm uma grande importância. Ao lado de ingredientes (e
respectivas técnicas) trazidos pelos colonizadores portugueses, devemos lembrar
da assimetria entre esses grupos. Os portugueses chegaram como colonizadores,
enquanto os vários grupos indígenas foram dizimados ao longo do tempo.
Os portugueses
procuraram manter seus hábitos alimentares e adaptaram-se quando era
inevitável.
As influências
(maiores ou menores) dos diversos grupos étnicos variam no tempo e no espaço.
Algumas regiões mantiveram mais que outras os ingredientes e as técnicas. Isso
pode ser explicado pela dinâmica histórica de ocupação do território. Na
Amazônia, por exemplo, a ocupação inicial dos portugueses foi apenas de
exploração da selva.
Apenas no século XIX
as grandes cidades ganharam uma importância maior.
Já no litoral, a
presença inicial dos portugueses foi mais marcante, com os engenhos de
cana-de-açúcar já nos primeiros séculos de colonização. Essa dinâmica histórica
determina (em parte) as variações de hábitos alimentares no Brasil, nas diversas
regiões.
Os
hábitos que herdamos à mesa, os utensílios utilizados, as comidas
Nossos hábitos à
mesa são essencialmente europeus, e o mesmo podemos dizer dos utensílios que
utilizamos em nossas cozinhas. Alguns hábitos indígenas, porém, ainda
sobrevivem, como comer farinha (e em alguns lugares com a mão, como os índios).
Alguns pesquisadores
consideram que o brasileiro teria um gosto acentuado pelo açúcar, fruto da
preferência dos portugueses e também pela importância do açúcar no período
colonial, principalmente nos engenhos instalados no nordeste brasileiro.
Para Gilberto
Freyre, o açúcar definiria o paladar histórico dos brasileiros. A doçaria
brasileira (herdeira de Portugal) seria um dos marcos importantes de
nossa culinária.
O
que é mais típico da culinária brasileira?
O uso da farinha
(milho ou mandioca), que soa para estrangeiros como algo muito estranho, é
considerado como um dos nossos hábitos alimentares mais característicos.
As técnicas de
produção de farinhas são indígenas. Além de uma técnica de preservação dos
alimentos, era uma preferência alimentar de vários desses grupos nativos. O
gosto pelas farinhas foi uma caraterística marcante no período colonial.
Esse hábito diminuiu
muito no centro sul no decorrer do século XX, a partir do momento em que passou
a ser identificado como pertencente às camadas mais populares. Hoje a
gastronomia busca valorizar esse e outros ingredientes brasileiros,
como o feijão, a carne seca, feijoada, as nossas frutas, as nossas plantas alimentícias
não convencionais (PANCs) e outros tantos.
Mas
como surgiu a feijoada, afinal?
A feijoada ainda
carrega uma forte mitologia. Por muito tempo se considerava que a feijoada
seria um prato “inventado” nas senzalas. Os escravos cozinhariam o feijão
preto (originário) da América com os restos de carne que os senhores
de engenho desprezavam.
Segundo Câmara
Cascudo, essa seria uma hipótese absurda. Os portugueses não desprezavam essas
carnes. E o que os escravos comiam era basicamente feijão com farinha.
A feijoada (prato
com técnica europeia, similar aos vários tipos de cozidos, como os de Portugal,
Espanha, França e outros) teria se desenvolvido no final do século XIX, em
restaurantes cariocas. E Câmara Cascudo consagra a origem da feijoada,
quando afirma que:
“Uma feijoada completa é tão
local quanto a Baía da Guanabara. “
Posteriormente, a feijoada foi tratada como símbolo do Brasil,
reunindo (miticamente) índios, portugueses e africanos em sua origem,
consistindo num dos vários mitos brasileiros de miscigenação racial.
Nossas histórias são
tão incontáveis quanto os nossos sabores. Muitas delas tão
saborosas quanto a cantiga popular:
“Nossa carne-seca / Que vem do sertão / Paios, presuntos /
Melhores não são. // Comendo feijão / Bebendo cachaça / Assim com prazer / A
vida se passa.”
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